sexta-feira, 29 de junho de 2012

Quem é o doente?


“Em vez de luz, tem tiroteio no fim do túnel.

Sempre mais do mesmo... Não era isso que você queria ouvir?”
(Mais do mesmo – Legião Urbana)


     A não muito tempo atrás a homossexualidade era considerada doença. Foi em 1990 que a Organização Mundial de Saúde retirou de sua lista de doenças mentais. Em 1999 a Associação Brasileira de Psicologia, ao normatizar a conduta dos profissionais de psicologia, afirmou que "a homossexualidade não constitui doença nem distúrbio e nem perversão e que os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e/ou cura da homossexualidade”.
     Mas um deputado que é líder da assim chamada “bancada evangélica” quer mudanças no texto, para permitir novamente a “cura gay”, o que equivale na prática, a tornar a tratar a homossexualidade como doença.
     Saindo das páginas da política e indo para as policiais, lemos nessa semana mais uma história de violência; dessa vez contra dois rapazes que estavam saindo abraçados de uma festa. Eles foram brutalmente espancados por um grupo de jovens que desceu de um ônibus ao avistá-los abraçados, com facas, socos, chutes e um pedaço de parelelepípedo. Um deles foi morto e o outro foi levado em estado grave no hospital.
     O detalhe da história é que os dois rapazes eram irmãos; gêmeos. O seu crime? Demonstrarem afeto em lugar público.
     Daí novamente a pergunta: quem é o doente? Ou de outro modo: quem está doente? Será que são àqueles que movidos pelo seu desejo entranhado na carne dirigem seu afeto a outra pessoa do mesmo sexo? Ou será que estão doentes àqueles que promovem a violência – verbal, velada, explícita – contra estes?
     Será que não estão doentes políticos, médicos, pastores, que usam de sua profissão não como um espaço para promoção da paz, da justiça e do amor, mas a colocam à serviço da discriminação e da violência?
     Dizem que ninguém quer ter um filho ou filha homossexual. Mas não seria milhões de vezes pior ter um filho ou filha homofóbico?
     Se alguém tiver dúvida, pergunte as mães desses jovens assassinos.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Das confissões de fé

“Ou será que o deus que criou nosso desejo é tão cruel. 
Mostra os vales onde jorra o leite e o mel. E esses vales são de Deus”  (Chico Buarque)

 Quem atua como professor ou pastor conhece a situação: de vez em quando, diante de um tema para a qual há várias opiniões, vem a pergunta “Mas professor/pastor e o senhor, no que crê?”. A pergunta surge às vezes da angústia de quem teve uma formação baseada na certeza, e por isso tem profunda dificuldade em lidar com dúvidas; noutros casos, é armadilha de quem quer “denunciar” o sujeito por “heresia”.
O fato é que sempre que pude, evitei dar respostas. Seja por que “não sou besta pra tirar onda de herói”, mas, sobretudo por achar que cada qual tem o direito de fazer seus próprios julgamentos e decisões a partir leituras que faz, das experiências que tem.
Mas há um tema em particular sobre a qual sou constantemente “assediado” por uma confissão de fé: homossexualidade.
Novamente, esse pedido de confissão tem intenções variadas. E novamente fico morrendo de má-vontade em fazê-la... Por vários motivos, novamente. Nesse caso, o maior deles é por profundo respeito a quem vive na pele o preconceito e a luta por viver a sua sexualidade que para si, é normal, mas para aqueles que têm traves nos olhos, é maldição. Que direito tenho eu, pois, em deitar falação sobre algo que não é a minha experiência? Muito melhor ouvir e ler quem vive sua condição de homoafetividade com respeito e atenção. Certamente aprenderíamos mais e melhor.
Porém, como o silêncio é cumplicidade com a “maioria”, e nesse caso, a “maioria” é lesbofóbica, homofóbica, cumpre o dever de quem pensa contra a maioria de explicitar sua posição. E já que me perguntaram, eu digo: lésbicas, homossexuais são amados por Deus, como eu, como qualquer outro ser humano. Mais ainda (desculpem-me pela obviedade): são meus semelhantes, a quem devo amar como a mim mesmo. Sem “mas...”. Sem “desde que...”.
Digo mais: cheguei a essas conclusões nas muitas leituras que fiz do texto bíblico. Sem querer entrar num cansativo jogo de “versículo contra versículo” daqueles que brincam de teologia dogmática como quem joga batalha naval, minha “fé” se baseia no enunciado, que para mim é central nas Escrituras, que é a norma do amor. Eu leio todos os textos das Escrituras a partir dessa norma, e qualquer texto que entrar em conflito com a mesma, paciência, ele terá que ficar em segundo lugar. É arbitrária a leitura que eu faço? Pode ser. Embora cá eu saiba que a turminha da “leitura literal” faz exatamente o mesmo – quando um texto não encaixa na suas convicções, tratam de dizer que é metáfora, contextual ou coisa que o valha. Eu faço o mesmo. Mas tenho a honestidade de assumir que faço.
Mas voltando a minha “confissão” central, creio plenamente no amor de Deus, que aceita e inclui todas as formas de amor. E que de igual modo abomina tudo o que seja anti-amor: todas as formas de relacionamento injusto sejam hétero ou homo estão certamente abrangidas aqui.
E ponto final. Peço desculpas aos meus três leitores (plagiando Tutty Vasques), mas não tenho nada mais profundo ou eloqüente a dizer.
É isso que penso. É nisso que creio. 

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Violência sem fim


 “O peso que viu o profeta Habacuque. Até quando Senhor, clamarei eu, e tu não me escutarás?
  Gritar-te-ei: Violência! e não salvarás? Por que razão me mostras a iniqüidade,
e me fazes ver a opressão? Pois que a destruição e a violência estão diante de mim” (Hab. 1:1,2)

Sempre que achamos que o espiral de violência banal e sem sentido não poder oferecer nenhum outro testemunho eloqüente de sua força, somos novamente surpreendidos: é o pai que espanca repetidamente sua filha de nove anos; são  meninas de doze anos, prostituídas e cujos agressores deveriam, mas não são considerados estupradores pelos nossos tribunais; são as crianças sem nome e sem rosto, torturadas e mortas nas ruas dos subúrbios por grupos de extermínio, fardados ou não.
Juntos ou separados, tratam-se de crimes que nos comovem, e nos fazem pensar até onde pode ir à maldade humana. Assusta mais quando lembramos que não se trata de um fato isolado, e muito menos um “sinal dos tempos”; quer dizer, a violência é tão antiga quanto à humanidade. Logo no início do relato do Gênesis, vemos a narração de um fratricídio. É tão antiga quanto à narrativa de Habacuque que lemos acima, distante de nós por alguns milhares de anos.
Mas isso não faz diferença. Seja na semana passada, no mês anterior, ou a centena de anos, diante da crueldade humana em sua forma mais vil, nos sentimos como o profeta, com uma profunda sensação de “peso”. E não importa que no romance “A insustentável leveza do ser”, Milan Kundera, tenha defendido lindamente a idéia que o “peso” é aquilo que nos mantém presos ao chão, sem o qual nos sentiríamos como que flutuando no ar, sem destino, sem "seriedade". 
Se for pra falar de nosso sentimento comparando a uma obra literária, creio que devemos é ficar revoltados e perplexos tal como Ivan, personagem de Dostoievski em “Os irmãos Karamázovi”. Junto com ele, gritarmos desesperados: “Toda a ciência do mundo não vale as lágrima das crianças”.

Nada explica ou justifica a dor de uma criança torturada ou assassinada: nem estudo, nem discurso ou pregação. Nada responde a dor dos que sofrem a perda de alguém que amam dessa maneira. De nossa parte, tal como Habacuque ou Ivan, mais do que pretensas respostas, vale o olhar indignado, a profunda solidariedade com a dor irreparável e o engajamento contra a violência.