quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A dimensão do prazer

     "As suas pernas como colunas de mármore colocadas sobre bases de ouro puro; 
o seu aspecto como o Líbano, excelente como os cedros. A sua boca é muitíssimo suave, sim, ele é
totalmente desejável. Como cerva amorosa, e gazela graciosa, os seus seios te saciem todo o tempo;
e pelo seu amor sejas atraído perpetuamente.  (Provérbios 5 : 19 e Cântico dos Cânticos 5:15)

     Tabu, algo proibido, sobre o qual o quanto menos se falar, melhor. É desse modo que a questão da sexualidade é em geral tratada no ambiente cristão. Mas onde é que começa o problema? Quando foi e por que a questão da sexualidade passou a ser reprimida na história do pensamento cristão? Como uma brevíssima (e incompleta) leitura desse tema, me arrisco a dizer que nas narrativas do Antigo Testamento, como na discussão posterior, há três dimensões sobre a discussão do corpo e da sexualidade, com seus limites e contradições.
     A primeira discute a questão de como a sexualidade poderia ser empecilho a união cultual com Deus, a partir da noção mítica do puro e do impuro; era assim que o homem era considerado impuro, e assim impedido por tempos determinados de participar do culto, em caso de ejaculação e a mulher em caso de menstruação, hemorragia e nascimento do filho (Lev.. 15:16-21). O valor dessa leitura é difícil de apontar. Há quem resgate o tema apontando que se tratava de uma forma rudimentar de “medicina preventiva”, que a partir do senso-comum procurava impor certas medidas consideradas sanitárias. Os limites, porém são claros: lidos em uma cega textualidade esses textos apontam para a visão onde o corpo em geral, e a sexualidade em específico, é “suja”, ou melhor, impura. Tal crença porém é incompatível tanto com a idéia de que a criação é “boa” quanto com a nossa crença de que Deus se Encarnou – pois se o corpo é intrinsecamente mal, seria preciso dizer que Cristo não tinha um verdadeiro corpo, mas apenas uma “aparência” de corpo.
     A segunda dimensão tem haver com a sexualidade vista a partir de uma ótica moral e social; é nessa linha que devem ser lidas as prescrições específicas contra o adultério (Dt. 22:22), o incesto (Lev. 18:6-18), a prostituição (Dt. 23:28), entre outros atos considerados como contrários a Lei Divina, e ao mesmo tempo como desorganizadores da vida humana em família/sociedade; a busca desses textos então é de promover a “vida com qualidade” e prevenir os abusos que uma sexualidade desregrada poderia (e pode) trazer. Isto é, esses textos nos servem ainda hoje de importante lembrete de que o prazer sexual não pode ser fruído as expensas do outro; e que o respeito tanto aos indivíduos como a sociedade devem ser considerados sempre, em todo e qualquer ato humano. O perigo dessas leituras é a possibilidade do “engessamento” de determinados preceitos morais e sociais que não equivalem mais ao que temos como os mais altos valores humanos hoje – um exemplo claro é o lugar da mulher em nossa cultura; ainda que lutando contra muitos preconceitos, as mulheres têm hoje assegurados direitos que antes eram simplesmente ignorados.
     A outra dimensão, muitas vezes “esquecida” e reprimida, é a que vê no corpo e na sexualidade uma possibilidade para o prazer e o deleite humano. É assim que pensa o escritor do Eclesiastes, quando reconhece que em nossa fugaz existência, o prazer numa relação a dois é uma forma de se “recrear” diante de uma vida marcada pela aridez (Ec. 9:9).   Mas muito além disso, o escritor – ou escritora? – do Cântico dos Cânticos nos fala do amor entre duas pessoas – e que inclui naturalmente a esfera do corpo e da sexualidade – como sendo uma demonstração do belo no ser humano. Amado e amada não se envergonham de falar da beleza do corpo um do outro, e de declarar o amor e desejo que sentem um pelo outro; sem o subterfúgio de dizer que se trata de um amor entre “almas” – ainda que esse amor tenha muito de profundo, de interioridade, ele se derrama também no exterior e no corpo, que eles nomeiam e admiram com voracidade e prazer. Infelizmente a igreja e os teólogos sentem vergonha do corpo e da sexualidade humana. Adoecem a si mesmos, e deixam de prestar uma grande contribuição a própria dinâmica de nosso tempo. Ora, num tempo onde a sexualidade é vista quase sempre de forma superficial, tal leitura permite recolocar a questão de modo muito mais profundo e integrado, por que, de outro modo, para aqueles que ainda sentem o peso do jugo de uma educação sexual repressiva e suas conseqüentes deformações, perceber que o texto bíblico vê no corpo humano e sua indissociável sexualidade algo “bom”, pode significar uma libertação tão necessária quanto urgente.

2 comentários:

  1. Excelente texto Joel!!! As pessoas ainda têm medo de falar sobre sexo/sexualidade, e ainda hoje nas igrejas, vemos pessoas aprisionadas pelo pensamento agostiniano de que o corpo e consequentemente o sexo são maus, impuros, de origem pecaminosa. Assim, dogmas e doutrinas se mantém tão fortes ainda hoje! A virgindade de Maria, a abstinência dos sacerdotes, o controle social sobre o sexo, especialmente entes do casamento... enfim...
    Cantares é um excelente exemplo de prazer, alegria, gozo e amor no sexo. Tem sensualidade e até mesmo sexo explícito!! Só pra mostrar pra gente que sexo não é pecado!!! rsss..
    POVO DAS IGREJAS: Vamos ler a Bíblia!!! rsss
    Parabéns pelo texto de novo!!!

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  2. Pois é Anísia... O texto bíblico é surpreendente para nós que fomos inculcados com uma série de pré-conceitos machistas, capitalistas, espiritualistas, e outros "istas"...
    Outro dia li algo que nunca tinha me dado conta... Roubar é pecado? Quando se tem fome não: "Não se injuria o ladrão, quando furta para saciar-se, tendo fome;" (Provérbios 6 : 30)

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